Introdução
O presente estudo pretende analisar as alterações implementadas ao ordenamento jurídico, no que tange às prisões cautelares, com o advento das leis 11.689/08 e 11.719/08. Almeja-se demonstrar que são deveras bem vindas as modificações pertinentes às prisões decorrentes de pronúncia e sentença condenatória recorrível, haja vista que se coadunam com a Constituição Federal e o binômio necessidade-fundamentação.
Conceito de prisão
Originada do latim “prehensio”, a prisão significa o ato de prender ou agarrar uma pessoa ou coisa. No âmbito jurídico, tal qual leciona De Plácido e Silva (1993, p. 448), é “o vocábulo tomado para exprimir o ato pelo qual se priva a pessoa de sua liberdade de locomoção, isto é, da liberdade de ir e vir, recolhendo-a a um lugar seguro e fechado”.
No mesmo sentido, Mirabete (2003, p. 359), também acentua que a prisão consiste na privação de liberdade, “por motivo lícito ou ordem legal”, mas ressalva que o termo tem diversos significados no direito pátrio, podendo expressar a pena privativa de liberdade, o ato da captura e a custódia. Do mesmo modo, João Carvalho de Matos (2004, p. 1549) pondera as acepções de prisão como local de cumprimento de sanção, pena (prisão simples e penas de modo em geral) e como medida ou meio de cerceamento da liberdade individual.
A prisão pena e a prisão sem pena
A distinção mais relevante no que tange à prisão é a divisão entre prisão pena e prisão sem pena. Enquanto aquela ocorre após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória e possui, principalmente, a finalidade repressiva (embora, também detenha o fim preventivo), esta se divide em prisão cautelar ou processual, civil, administrativa e disciplinar.
A prisão pena tem a natureza de sanção, de imposição de uma norma de direito material penal.
A prisão cautelar, provisória ou processual se verifica antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória e abrange as prisões em flagrante, preventiva, temporária, resultante de pronúncia e de sentença penal condenatória ou recorrível.
A seu turno, a prisão civil é admitida pelo artigo 5º, inciso LXVII da Constituição Federal nos casos de devedor de alimentos e depositário infiel, enquanto a prisão administrativa foi vedada pela Magna Carta e a disciplinar é cabível para as transgressões e crimes militares.
No presente artigo, o foco se concentrará nas prisões cautelares, em especial, as prisões decorrentes de sentença de pronúncia e sentença condenatória recorrível.
O fundamento das prisões cautelares
No Estado democrático de direito, em tese, a prisão só deveria ocorrer para o cumprimento de sentenças penais condenatórias transitadas em julgado. Apenas quando se tivesse a certeza plena da culpa, assegurada por um pronunciamento judicial definitivo, é que o agente deveria ter privada a sua liberdade individual, sob pena de ferimento ao princípio da presunção da inocência.
Ocorre que, consoante ensina João Carvalho de Matos (2004), ao Estado incumbe resguardar interesses sociais e, quando estes se encontrarem ameaçados ou violados, justifica-se o sacrifício do indivíduo para o bem comum.
Assim, desde que devidamente fundamentada, a prisão pode ocorrer antes ou no transcurso do processo penal por razões de necessidade ou oportunidade.
Nas palavras de Mirabete (2003, p. 359-360):
A prisão preventiva só deveria ocorrer para o cumprimento de uma sentença penal condenatória. Entretanto, pode ela ocorrer antes do julgamento ou mesmo na ausência do processo por razões de necessidade ou oportunidade. Essa prisão assenta na Justiça Legal, que obriga o indivíduo, enquanto membro da comunidade, a se submeter a perdas e sacrifícios em decorrência da necessidade de medidas que possibilitem ao Estado prover o bem comum, sua última e principal finalidade.
Quando houver necessidade de custódia cautelar sem trânsito em julgado da sentença, imperiosa será a sua fundamentação, nos termos do artigo 412 do Código de Processo Penal e, sobretudo, 93, inciso IX, da Constituição Federal. De maneira alguma poderá se caracterizar como antecipação de pena, em razão dos princípios da dignidade da pessoa humana, presunção da inocência e proporcionalidade.
Correntes doutrinárias acerca da admissibilidade da prisão cautelar. O binômio necessidade-fundamentação
A admissibilidade da prisão cautelar não é uníssona na doutrina pátria. Basicamente, pode se afirmar que subsistem três correntes doutrinárias – a primeira delas, conservadora, representa o movimento “da lei e da ordem” e preceitua que a prisão cautelar pode ser utilizada como retribuição antecipada ao mal cometido contra a sociedade, apresentado as funções retributiva e de prevenção geral; a segunda, denominada liberal, encabeçada pelos operadores constitucionalistas radicais, leciona que a presunção da inocência deve ser levada às últimas conseqüências, sendo inadmissível qualquer custódia provisória; a terceira, dita eclética, a seu turno, propõe uma minuciosa análise do caso concreto, mediante a utilização dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, bem como do binômio necessidade-fundamentação.
Com todo respeito aos pensamentos diversos, filiamo-nos à corrente eclética. Ora, conforme já dispusemos neste estudo, a custódia cautelar deve ser admitida, mas apenas em casos excepcionais, nunca podendo se caracterizar como antecipação de pena.
É imperiosa a obediência ao binômio necessidade-fundamentação.
O juiz, ao decretar ou manter uma prisão processual, deve proceder a uma análise fática e minudente da presença obrigatória, no caso concreto, dos requisitos e de pelo menos um dos fundamentos alternativos exigidos para a decretação da prisão preventiva – conforme leciona Lucas Junqueira Bruzadelli Macedo (2007), deve verificar a ausência do “Fumus comissi delicti” e do “periculum libertatis” – a materialidade delitiva e indícios suficientes de autoria, somados à garantia das ordens pública ou econômica, conveniência da instrução criminal ou garantia da aplicação da lei penal, ante a proporcionalidade (artigo 312 do Código de Processo Penal).
As espécies de prisão cautelar
As espécies de prisão cautelar são: a prisão em flagrante, preventiva, temporária, decorrente de pronúncia ou de sentença condenatória recorrível.
Com relação às três primeiras, a maioria doutrina e a jurisprudência pátria já havia se firmado no sentido da necessidade de obediência ao binômio necessidade-fundamentação. Com relação às prisões decorrentes sentença condenatória recorrível e decisão de pronúncia, ante as disposições retrógradas do Código de Processo Penal, é que subsistia uma grande dificuldade para a admissibilidade dos dispostos na teoria eclética.
Neste contexto, o advento das leis 11.689/08 e 11.719/08 foi deveras importante, evidenciando a necessidade de um processo penal equilibrado.
A prisão decorrente de decisão de pronúncia
A prisão cautelar pode resultar da decisão de pronúncia, nos procedimentos de crimes de competência do Tribunal do Júri. A pronúncia, tal qual assevera João Carvalho de Matos (2004), é um juízo de acusação com pressupostos assentados no artigo 408 do Código de Processo Penal. O réu é pronunciado quando o juiz se convencer da existência do crime e de indícios de que este seja o autor.
Até este ano de 2008, tal prisão era regida pelo artigo 408, § 2º do Código de Processo Penal, que preceituava que se o réu fosse primário e de bons antecedentes, o juiz poderia deixar de decretar-lhe a prisão ou revogá-la, caso já se encontrasse preso quando da pronúncia.
A prisão decorrente de sentença condenatória recorrível
A prisão decorrente de sentença condenatória recorrível também é espécie de prisão processual, muito embora alguns doutrinadores, como Afrânio Silva Jardim, a considerem como uma autêntica “tutela satisfativa”.
Outrora, o artigo 594 do Código de Processo Penal dispunha que o réu não poderia apelar sem se recolher à prisão, ou prestar fiança, salvo se fosse primário e de bons antecedentes, assim reconhecido pela sentença condenatória recorrível ou condenado por crime em que se livrasse solto.
O tratamento das prisões decorrente de decisão de pronúncia e de sentença condenatória recorrível. As leis 11.689/08 e 11.719/08
A Constituição Federal prevê a necessidade de um tratamento equilibrado no processo penal, visando garantir, simultaneamente, a segurança de cada indivíduo e da sociedade bem como a liberdade e um processo criminal justo e razoável.
Ocorre que o Código de Processo Penal era anterior à sua promulgação e já elencava regras acerca da prisão decorrente de pronúncia e da sentença condenatória recorrível.
Conforme ensina Antônio Scarance Fernandes (2008, p. 24), após a edição da Lei Fundamental, o primeiro entendimento foi no sentido de vedar tais modalidades de prisão, dispondo que contrariariam a regra da presunção da inocência e representariam antecipação de pena, além do que, com relação à sentença condenatória recorrível, negar-se-ia o direito ao apelo:
Com a Constituição, houve o entendimento de que as duas modalidades de prisão contrariavam a regra de presunção da inocência, pois representavam antecipação de pena, não sendo impostas com base em necessidade cautelar assentada em circunstâncias do processo, mas apenas no fato de o acusado não ser primário ou não ter bons antecedentes. Posteriormente, em relação à prisão derivada de sentença, acrescentou-se novo argumento de inconstitucionalidade, o de que impor a alguém o recolhimento à prisão para apelar é negar-lhe o direito constitucional ao duplo grau de jurisdição, também garantido por normas da Convenção de Costa Rica (Arts 7º, N° 6º, e 8º, N° 10).
Nesta esteira, João Carvalho de Matos (2004, p. 1632), lembrando as lições de Rogério Lauria Tucci e Antônio Magalhães Gomes Filho, defendia que tais prisões não teriam qualquer fundamento magno:
“A prisão provisória de natureza processual, decorrente de ato decisório de pronúncia ou de sentença condenatória recorrível, não tem como se manter perante o examinado regramento constitucional, sobretudo por significar antecipar a admissão de culpabilidade do pronunciado ou do condenado, de todo inadmissível. (...) À luz da presunção da inocência, veementiza Antônio Magalhães Gomes Filho, não se concebem quaisquer formas de encarceramento ordenadas como antecipação da punição, o que constitui corolário automático da imputação, como sucede nas hipóteses de prisão obrigatória em que a imposição da medida independe da verificação concreta do periculum libertatis”.
Num segundo momento, todavia, os Tribunais Superiores firmaram o entendimento de que tais prisões estariam em consonância com a Lei Fundamental, conferindo uma interpretação restritiva ao princípio da presunção da inocência – editou-se até mesmo a Súmula 09 do Superior Tribunal de Justiça, que considerava constitucional a disposição do artigo 594 do Código de Processo Penal.
O doutrinador Marcelo Colombelli Mezzono (2004), manifestava-se expressamente acerca da constitucionalidade de tais prisões, dispondo que “a custódia cautelar não ofende, qualquer que seja a sua modalidade e abstratamente considerada, a Constituição Federal”.
As leis 11.689/08 e 11.719/08 visaram encerrar tal celeuma, alterando as retrógradas e ultrapassadas disposições do Código de Processo Penal e adaptando a legislação aos mandamentos fundamentais.
De acordo com a redação dada ao artigo 413, § 2º do Código de Processo Penal, o juiz, ao pronunciar o acusado deverá decidir, motivadamente, sobre a manutenção, revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e, em sede de acusado solto, sobre a necessidade de decretação da prisão ou imposição de outras medidas cautelares. Neste mesmo caminho, o parágrafo único do artigo 387 do diploma processual penal, leciona que o magistrado decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou a imposição de prisão preventiva ou outra medida cautelar, sem prejuízo da apelação eventualmente interposta. Para completar, revogou-se o artigo 594.
Ora, de uma breve análise já é possível se concluir que tais disposições legais se filiam à teoria eclética e condicionam as prisões decorrentes de sentença condenatória recorrível e decisão de pronúncia aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, bem como ao binômio necessidade-fundamentação. Admite-se a existência de tais prisões, desde que estejam presentes motivos ensejadores para tanto, de acordo com artigo 312 do Código de Processo Penal, de acordo com a prudente análise do caso concreto.
Conclusão
A prisão cautelar ou processual, em especial quando decorrente de sentença condenatória recorrível ou decisão de pronúncia, não pode se caracterizar como antecipação de pena, sob pena do ferimento dos princípios da dignidade da pessoa humana, da presunção da inocência, da razoabilidade e da proporcionalidade. Sempre será necessária uma minuciosa análise do caso concreto, além de uma motivação esclarecedora e detalhada, por força do binômio necessidade-fundamentação.
As leis 11.689/08 e 11.719/08 vêm corroborar com este entendimento, prestigiando o processo penal equilibrado, no qual o juiz deve garantir a segurança do indivíduo e da sociedade, bem como a existência de um processo justo e adequado.
Referências bibliográficas
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SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro, Forense, 1993. 4. volume.
Advogada. Pós Graduação "Lato Sensu" em Direito Civil e Processo Civil. Bacharel em direito pela Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo. Extensão Profissional em Infância e Juventude. Autora do livro "A boa-fé objetiva e a lealdade no processo civil brasileiro" pela Editora Núria Fabris e Co-autora do livro "Dano moral - temas atuais" pela Editora Plenum. Autora de vários artigos jurídicos publicados em sites jurídicos.E-mail: [email protected], [email protected], [email protected]<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PRETEL, Mariana e. O cenário das prisões decorrentes de pronúncia e de sentença penal condenatória recorrível com o advento das Leis 11.689/08 e 11.719/08 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 out 2008, 10:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /15245/o-cenario-das-prisoes-decorrentes-de-pronuncia-e-de-sentenca-penal-condenatoria-recorrivel-com-o-advento-das-leis-11-689-08-e-11-719-08. Acesso em: 29 dez 2024.
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